A carioca B. Salles trabalhava em tempo integral como recepcionista em
uma empresa de engenharia no Rio de Janeiro, mas era só no final do dia
que o trabalho realmente começava. Ela corria para terminar as tarefas
do dia, mas nem sempre conseguia, porque passava o dia todo acompanhando
as novidades dos amigos em redes sociais, como Orkut e Facebook.
"Confesso que fui negligente, pois eu ficava muito tempo 'presa' nas
redes para acompanhar atualizações dos amigos", disse ela ao iG.
Nem as "broncas" do chefe, nem o bloqueio do acesso a certos sites,
impediram B. de acessar as redes sociais. "Eu sempre achava uma forma de
burlar essas restrições."
Após um período na empresa, B. deixou o trabalho para se mudar para
outra cidade. Quando voltou ao Rio, porém, procurou o ex-chefe para
tentar recuperar o trabalho, mas não conseguiu. "Encontrei as portas
fechadas, obviamente por conta do meu histórico com redes sociais", diz
B. "Até hoje não consigo me perdoar por causa disso."
Apesar de pouca gente aceitar se considerar viciada em redes sociais,
o problema é mais comum do que se imagina. No Brasil, a Universidade de
São Paulo (USP) mantém, inclusive, um grupo de apoio à viciados em
internet desde 2006, que ajuda também aqueles internautas que não
conseguem se desconectar das redes sociais. "Eles são dependentes da
interação virtual com outras pessoas, porque não têm habilidades sociais
muito desenvolvidas no mundo real", explica Dora Sampaio Góes,
psicóloga do Ambulatório Integrado de Transtornos do Impulso do Hospital
das Clínicas (HC).
O problema também chamou a atenção do americano Dan Peguine, um
empreendedor do ramo de internet que se considera um viciado em redes
sociais por acessar o Facebook cerca de 30 vezes por dia. Em conjunto
com Siavosh Arasteh, um amigo que sofre com o problema, ele fundou o
site FaceAnonymous para
reabilitar usuários que, como ele, são obcecados em checar as
atualizações, fotos e comentários de seus amigos no Facebook, a rede
social mais popular em todo o mundo cerca de 750 milhões de usuários.
A ideia de criar um grupo para que internautas compartilhem suas
experiências a respeito do vício de acessar o Facebook mais do que o
normal surgiu em uma conversa entre os dois amigos há cerca de um mês.
“Nós dois gastamos muito tempo conectados ao Facebook naquele dia e
percebemos que checar o Facebook constantemente tinha um impacto
negativo em nossa produtividade”, disse Peguine ao iG.
“Estamos em uma missão para ajudar o mundo a gastar seu tempo de uma
forma mais sábia”, disse Arasteh por meio de sua conta no Twitter, no
início de agosto quando a página do FaceAnonymous entrou no ar. O
serviço ainda está na primeira fase, que consiste em um desafio que os
fundadores propuseram a si mesmos e aos internautas: registrar o número
de vezes que acessam o Facebook diariamente em uma planilha pública
disponível pelo site oficial do FaceAnonymous e tentar reduzi-lo para
apenas dois acessos por dia.
Mais tempo gasto em redes sociais
Em crescimento no mundo todo, as redes sociais ocupam cada vez mais tempo dos internautas. Só nos Estados Unidos, nove em cada 10 pessoas com conexão à internet acessam as redes sociais
pelo menos uma vez por mês, de acordo com estudo divulgado pela
consultoria comScore. Com isso, as redes sociais se tornaram o local
onde as pessoas passam 12% do tempo online ou 4,5 horas de permanência
por mês. Sozinho, o Facebook é destino de um em cada três sessões de
navegação na internet, o que aumentou o tempo gasto no site em 79% no
período de um ano.
No Brasil, as redes sociais formam a segunda categoria de sites mais
acessada pelos usuários, perdendo apenas para os buscadores. De acordo
com a comScore, 70% das pessoas com conexão de internet no Brasil acessaram algum tipo de rede social em 2010,
4% mais que em 2009. Embora nem todos os brasileiros tenham computador
em casa, essa categoria de sites respondeu por 16% do tempo gasto online
no País, a frente de outras categorias populares, como mensagens
instantâneas.
“É importante entender que as tecnologias sociais ainda são
relativamente novas em nossa sociedade e mudaram a forma como nos
relacionamos com os amigos, grupos e marcas”, diz Peguine.
De 600 acessos a menos de 10
Ironicamente, a página do FaceAnonymous inclui um espaço para
comentários no próprio Facebook e até o botão Curtir, que já foi
acionado por cerca de 2 mil internautas que visitaram a página. “A
popularidade do site em alguns blogs nos mostrou que o vício no Facebook
é um problema evidente para muitas pessoas”, diz Peguine.
Até agora, 70 internautas aderiram ao desafio, que termina ainda não
tem data para terminar. Segundo Peguine, 20 pessoas começaram a
compartilhar informações por meio da planilha já no primeiro dia após o
lançamento do site. O experimento servirá como base para desenvolver o
serviço. “Queremos ter certeza de que nossa ferramenta corresponda ao
que as pessoas querem e que, ao mesmo tempo, seja divertida”, diz
Peguine.
Segundo Dora, do HC, registrar quantas vezes acessou a rede social em
um diário, por exemplo, realmente ajuda os viciados a entenderem melhor
o vício e porque acessar a rede social os faz sentir melhor. "Conforme
eles percebem porque acessam tantas vezes a rede social, eles começam a
diminuir os acessos", diz a psicóloga. No tratamento de 18 semanas do
HC, que é gratuito, os médicos não proíbem o paciente de acessar a
internet.
Se tudo der certo, depois de colher dados no período do experimento,
Peguine e Arasteh começarão a desenvolver o FaceAnonymous. Os fundadores
criaram um sistema de cadastro de e-mails no site para avisar os
interessados quando a ferramenta estiver pronta. “Temos diversas ideias
sobre os recursos que queremos desenvolver no projeto”, diz Peguine.
Segundo Peguine, compartilhar diariamente o número de vezes que
acessa a rede social tem ajudado a ele e a outros internautas, inclusive
brasileiros, a compreender melhor o uso que fazem de seu tempo. “Em
pouco mais de uma semana, já consegui reduzir o número de acessos para
entre cinco e sete, mas continuo tentando cortar para apenas dois”, diz
ele.
A maior parte dos viciados em internet, segundo Dora, consegue se
recuperar e continua a usar a internet após o tratamento. "Nas reuniões
do próprio grupo, eles já começam a interagir uns com os outros", diz
ela. O próximo passo, que acontece aos poucos, é se envolver com
atividades do "mundo real", como ir ao cinema com os amigos, retomar
algum curso ou esporte. "Um aposentado de 71 anos usou a habilidade dele
com a internet para retomar o trabalho", conta. Até agora, mais de 100
pacientes já passaram por tratamento no HC.
Fonte:
Claudia Tozetto, iG São Paulo
| 24/08/2011 05:30